quarta-feira, 27 de novembro de 2013

EM DEFESA DO CORDEL

PALESTRA DE VARNECI NASCIMENTO EM NATAL

Autor: Marciano Medeiros


Foi com surpresa que li um artigo escrito pelo poeta Bob Motta, fazendo alguns comentários críticos sobre uma fala que Varneci Nascimento (Editor da Luzeiro), fez  quando participou de recente encontro na Casa do Cordel. Até ai tudo bem, todos temos direito de opinar, porém o senhor Bob Motta chegou ao ponto de afirmar que o pesquisador baiano, e não paulista como Bob escreveu no seu longo artigo, falou uma série de baboseiras
Ele começa forçando a barra para dizer que o cordel vem de Portugal e mais remotamente da Grécia antiga. Esta afirmação é muito fácil de ser refutada, queremos que Bob Motta nos mostre um romance, basta um, escrito por autor português ou grego e que pareça com os romances redigidos por Silvino Pirauá de Lima ou Leandro Gomes de Barros. Ele cita uma estrofe de Luís de Camões redigindo Luis com a letra Z e insinua que Camões era cordelista. Camões escreveu belos poemas e lindos sonetos, mas nunca elaborou um enredo de cordel no estilo dos feitos por José Camelo de Melo Rezende, um Manoel D `Almeida Filho, ou Antônio Teodoro dos  Santos,  por exemplo.
Eu pude refletir, mas enfaticamente sobre isto, quando li um livro escrito pelo doutor Aderaldo Luciano, intitulado: “História Critica do Cordel Brasileiro”. Eu também dizia estas coisas infundadas. “Cordel vem de Portugal, pois os folhetos eram pendurados num barbante.” Ano passado fui visitar o poeta Ivanildo Vila Nova em Gravatá/PE e ele me disse: – Meu pai nunca vendeu folhetos pendurados em barbante, ele os levava a feira numa mala, era folheteiro e não cordelista, portanto. É exatamente o que Aderaldo mostra em seu livro, questionando este nome imposto por pesquisadores que falavam das coisas por ouvir dizer. No livro do professor Aderaldo ele mostra os quatro pais do cordel brasileiro que são: Silvino Pirauá de Lima, Leandro Gomes de Barros, Francisco Chagas Batista e João Martins de Athayde. A única coisa que Camões, rei dom Diniz e Gil Vicente têm com nosso cordel é o fato de que eram poetas.
Foi isso falado no parágrafo anterior que Varneci Nascimento expôs em sua fala onde ninguém foi obrigado a ouvir, como afirmou Bob Motta. É inegável que alguns europeus exerceram influência mínima, porém Leandro sistematizou e expandiu escrevendo lindas histórias em sextilhas, jamais vistas em qualquer parte do mundo. Os Martírios de Genoveva deixam os leitores comovidos, pela magia exposta na trama da narração, magistralmente ambientada na distante Alemanha. Vemos o drama de Genoveva, frágil vítima de uma terrível e sinistra traição, que foi colocada em prática pelo intendente Golo. O marido da moça vai para a guerra, então recebe uma carta do servo, que denuncia uma suposta traição de Genoveva. Encolerizado o conde Sigifroi entrega o destino de Genoveva ao falso empregado, através duma imensa e enfurecida carta de resposta. A pobre amarga uma prisão injusta por não ceder aos apelos afetivos do falso e caluniador Golo. Ela chegou a ter um filho nos porões da cadeia, pois o seu esposo a havia deixado grávida. Uma mulher que por Genoveva tinha sido beneficiada, a visita secretamente e recebe uma correspondência confidencial para ser entregue a Sigifroi, quando este num futuro distante, pudesse porventura retornar da guerra. Neste meio tempo os homens encarregados de executar Genoveva se compadecem e matam um cachorro felpudo, arracando-lhe os olhos para enganar Golo, dizendo que se tratava dos olhos da prisioneira. Genoveva promete viver em pequena mata e passa a residir numa horrenda caverna com seu filhinho, o criando com providencial leite, que a mesma retirava de uma corça. O tempo passa, ela sofre bastante, porém a tal carta um dia será entregue ao seu companheiro. Quando o conde ler o texto observa que sua esposa relata toda falsidade e ainda lhe pede perdão para o implacável inimigo. Neste momento o nobre fica bastante deprimido, então resolve fazer grande caçada para se distrair um pouco. Sem saber vai para a tal floresta, onde sua ex-esposa vivia solitariamente. Depressa um cachorro sai perseguindo estranha corça e chega à caverna, encontrando Genoveva muito abatida, pelos sucessivos anos de sofrimento. Inicialmente ele pensa que era um espírito, pois imaginava que a companheira estava morta. O casal se reconcilia, ela volta para casa e recupera a antiga felicidade. Golo fica apenas na masmorra e não sofre a penalidade de morte. O mais interessante é que o conde passa a conservar um retrato, com a imagem da mulher, do seu querido filho e da corça. Eu quero que os defensores do cordel europeu nos citem os grandes autores d além mar que tenham produzido trabalhos tão maravilhosos como este que acabei de mencionar, está lançado o desafio.
E voltando ao artigo de Bob, o interessante foi ele ter falado se dirigindo aos poetas potiguares como se fosse representante de uma opinião sagrada e os demais colegas chegassem ao ponto de execrar Varneci Nascimento publicamente, por ter coragem de tirar as roupagens das lendas e mitos, divulgados sobre o cordel brasileiro. Mandou o rapaz estudar como se Varneci não fosse formado em história. Sempre que falo com este cordelista baiano, ele está escrevendo um cordel ou revisando outros, de autores das mais distantes regiões brasileiras. Para finalizar parabeniso o poeta Abaeté por ter feito a Semana do Cordelista e ter convidado Varneci Nascimento para levantar o debate saudável e botar nosso cordel no devido lugar: a estante do respeito e conhecimento de causa, que nos impede de divulgar baboseiras lendárias como se fossem verdades absolutas.



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