segunda-feira, 25 de junho de 2012



POEMA DA LIBERTAÇÃO

                       Medeiros Braga

Depois de meio século de labuta
Do qual fazendo coisas que nem sei
Encostei minhas armas e da luta
Sem muita escolha, então, me aposentei.
Em sentar com meus netos eu pensei
E contar as estórias do menino...
Do menino sonhador e peregrino
Que sem prever na vida alguma guerra
Certo dia partiu da sua terra
Para uma aventura do destino. 

Eu sonhei depois disso, por meu tino,
Em me sentar às margens d’algum lago
E ficar a ouvir, belo e divino,
Da passarada um cantar de afago.
Eu pensei num poema, nada amargo,
Compor no prazer do menestrel,
Onde pudesse expor sobre o papel,
Das fantásticas paisagens das colinas
As emoções mais belas e divinas
Que balouçam em ritmo de tropel.

Mas não foi possível... meu corcel
Foi tomando, por si, outros caminhos.
Já não sinto o sabor puro de mel,
Já não vejo mais lago e passarinhos.
Os amores se foram dos seus ninhos,
De repente, qual deusa das miragens,
A beleza fugiu lá das paisagens...
E mais, para ferir meu coração
Só ficou folha seca pelo chão
Aumentando a tristeza das imagens.
Eu tive que fazer outras viagens,
Fiquei longe das TVs, sua influência,
Pude ver bem real, n’outras paragens,
Um outro mundo feito de excrescência.
As imagens projetadas com aparência
De um mundo majestoso, encantador,
Finalmente, de modo arrasador
Caiam uma a uma ante a verdade,
Descartando a fugaz felicidade
Sofisticada do televisor.

Descobri esse meio enganador
Com seu poder de comunicação
Que pra manter as regras do opressor
Faz um trabalho de alienação.
Bem pior que a caverna de Platão
Onde as sombras, então, alienavam,
Da TV as imagens enganavam
Pela força dos falsos esplendores
Todos os seus telespectadores
Que como bobos à tela se portavam.

Eu, livre das imagens que enganavam,
Do mundo conheci a realidade,
As injustiças que penalizavam
Também as vi com muita claridade.
Só não vi os clarins da liberdade,
Nem o verde instigante  da ‘sperança,
Nem auroras festivas da bonança
E, por conta de estarem iludidos,
Não ouvi o clamor dos oprimidos
Abafados por forte segurança.

O que vi por lugares percorridos
Foi todo um mundo de contradições,
Dos bens gerados foram repartidos
Uns tostões para uns; outros, milhões.
Umas casas de taipa; outras mansões,
Uns com terno, com fraque, com cartola,
Bons hospitais, comida e boa escola,
Enquanto outros, frágeis e tristonhos,
Saiam já, sem esperança e sonhos,
De porta em porta a implorar esmola.

Vi o homem do campo de sacola,
Contra a vontade, abandonar a terra,
Vi governo protetor de quem esfola
Levando o camponês para tal guerra.
Tive a tristeza que no peito encerra
De tanto ver miséria e tanta dor,
De ver também que ao trabalhador,
Posto como vítima do trabalho,
Lhe negam pão, bom teto, o agasalho
E o sonho elementar, libertador.

Eu vi a burguesia sem temor
Morando em confortável fortaleza,
Usando helicóptero com rigor
Da sua casa para sua empresa.
Para mais segurança uma pobreza
Bem treinada, com arma e munição
Eis ali para dar mais proteção...
Enquanto o pobre, total, desprotegido
Apelava no percurso percorrido
Retornar para casa salvo e são.

Vi os índios expulsos da floresta,
A madeira de lei no chão caída,
Dos grileiros eu vi em ação funesta
Os peões enxotados, sem guarida.
Traficantes eu vi pela avenida
Com seu poder de fogo, paralelo,
Sobre as mãos a granada, o parabelo,
A metralha, o fuzil, a escopeta,
Dividindo o poder nesse planeta
Com a classe burguesa em seu duelo.

Das usinas de açúcar, o seu flagelo
Pude ver nessas “fábricas de mel”,
Dos engenhos de cana era o cutelo
O seu trato desumano e tão cruel.
O canavieiro conhecia o fel
Do capanga, usineiro e barracão
Que extorquiam no vale, no cambão,
Na conta, nas tarefas desmedidas
E nas leis que eram convertidas
Para a prática nefasta do patrão.

Infeliz de quem a indignação
Ousasse externar ao usineiro,
Às celas de tortura, sem perdão,
Era levado tal canavieiro.
O Nêgo Fuba e o Pedro Fazendeiro
Pagaram com a vida seus entraves.
Inda punidos pelas “faltas graves”
Com a morte covarde e traiçoeira
Foram também João Pedro Teixeira
E a Margarida Maria Alves.

Nesse clima, que é o causador
Da injustiça e da desigualdade,
Renunciei ao plano sonhador
De vida de lazer e liberdade.
Ouvindo o clamor da humanidade
Não pude descansar, não era justo,
Por isso que, num ideal augusto,
Portando como espada uma caneta,
Golpeei nas páginas do planeta
Os males degradantes e vetustos.

Matutando sobre os atos tão injustos,
Refletindo um a um, pude chegar
À conclusão que fatos com seus custos
Só um sistema, então,  pode causar...
É ele o cruel e impopular
Modo de produção capitalista
Que cria o oprimido e o altruísta,
Que divide, fatal, a humanidade
Em duas classes, com desigualdade,
E põe em luta na ferrenha pista.

É o sistema, então, capitalista
O causador de todo esse pugilo,
Não há, como saída realista
Outra forma, senão, de destruí-lo.
Não existe mistério, nem sigilo,
Por mais que alguém procure esconder
Está aí à luz para se ver
Que a solução desse problema
Reside na mudança do sistema,
No desmoronamento do poder.

Qualquer luta política pra valer
Há de ter como meta o seu combate,
Para tal há do povo mais saber
Ir buscar pra vencer o grande embate.
O saber é do povo o estandarte,
É vital, instrumento imprescindível,
É capaz como arma inteligível
De munir e deixar o militante
Bem formado, coerente, atuante,
Aguerrido, idealista e imbatível.

Vamos todos nessa luta imprescindível,
Punhos cerrados, mentes com saber,
Lutar contra... esse sistema horrível,
Arrancar pela raiz o seu poder.
Um mundo justo para se viver
É, de fato, possível e necessário,
Por isso deve todo um ideário
Conduzir com fervor a militância
À luta,  que terá por circunstância
Um outro ciclo revolucionário.

Encontro-me num campo, solidário,
Onde tenho por arma o verso ardente
Do poema que chega ao proletário
Como um canto de luta consciente.
O saber torna o povo independente,
É o instrumento da libertação.
Dele nascerá, como um vulcão
Imbatível quando lança a sua lava,
Um povo forte a soerguer a clava
Para o triunfo da revolução.

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