sexta-feira, 30 de março de 2012

Sobre o Golpe Militar:"Pela Verdade"



Pela verdade
Por Silvio Prado

A revolução redentora
Dos milicos do Brasil
Não aconteceu em março
E não foi nada varonil
Tendo como data histórica
Um primeiro de abril.

Temendo uma revolução
De caráter comunista
Uma gente bem fardada
E totalmente entreguista
Botando tropas na rua
Passou o país em revista.

E depois o que se viu
Foi uma triste aventura
Em que a vida democrática
Sob os ferros da tortura
Conheceu de perto a dor
Que brotou da ditadura.

E foi assim desse jeito
Com tanta proibição
E muita gente sumida
Sob brutal repressão
Que um golpe militar
Se chamou revolução.

E foi proibido pensar
Pensamento diferente
Do que pensavam as fardas
De um general ou tenente
Que criaram no país
Situação tão deprimente.

Em tempos de guerra fria
Instalou-se a ditadura
E pra que ela funcionasse
Não se abriu mão da censura
E muito menos do recurso
Sempre brutal da tortura.

Com o país enquadrado
Sob as ordens desse fato
Não podia o operário
Temendo um duro destrato
Tocar sua luta em frente
Através de um sindicato.

Nem podia na escola
Como muito se fez antes
De forma sempre altiva
Através dos estudantes
Repensar a educação
Sem projetos alienantes.

O que foi visto na escola
E também no sindicato
Viu-se na literatura
Na imprensa e no teatro.
Também música e cinema
Amargaram esse destrato.


Mas felizmente, o país
Tem a tradição de luta
E mesmo que o regime
Exigisse outra conduta
Muita voz se levantou
Contra tanta força bruta.

E foi preciso coragem
Para encarar a ditadura
De generais insensíveis
Entregues a triste loucura
De reduzir nossa terra
À tão desastrada aventura.

Se eles queriam silêncio
E também submissão
Do povo então receberam
Quase sempre uma lição
Às vezes pela rebeldia
Vinda em forma de canção.

E cantando a canção
De um país dilacerado
Com a voz da esperança
Olhando sempre de lado
O povo não perdeu o foco
Do amanhã aguardado.

E lutando como pode
Na construção desse dia
Enfrentou tamanho horror
Mas expressou sua rebeldia
Afugentando a escura noite
Que a ditadura exigia.

Muitos dentro da fábrica
E pelos bairros da cidade,
Na imprensa alternativa
E campus da universidade
Ou pela guerrilha no campo
Não renunciaram a verdade.

Mas como diz o ditado,
Pingo d’ água em pedra dura
De tanto seguir batendo
Tanto bate até que fura
E, o povo, de tanto bater,
Pôs no chão a ditadura.

Já passado esse tempo
De muita dureza e tensão,
Ainda se vê agora,
Cheias de apreensão,
Fardas pedindo silêncio
Sobre uma grave questão.

E a questão colocada
Não possui nenhum sentido
Porque o Brasil não pode
Se fazer de esquecido
Das centenas de seus mortos
E tanto desaparecido.

Porque se hoje a nação
É uma democracia
Não tem porque ocultar
Em nome da anistia
Muitos crimes cometidos
E tanta selvageria.

Pois todo o país pergunta:
Qual foi o destino dado
Ao lutador Rubens Paiva,
Homem digno, deputado,
Diante da própria família
Numa noite seqüestrado?

Como pode haver silêncio
Se na memória da nação
Percorre o grito angustiado
Exigindo a informação
Que possa levar ao corpo
Do comandante Osvaldão?

Onde estará a ossada
Do estudante guerrilheiro
E também do operário ,
Outro anônimo brasileiro,
Que reagindo à ditadura
Teve estranho paradeiro?

E se perguntas são feitas
Precisam ser respondidas:
Por que tão tristes verdades
Precisam ser escondidas?
E quem seqüestrou, torturou,
Pondo fim a tantas vidas?

Por que exigir silêncio
Se grita a nossa memória
Pedindo outra leitura
Dos atos de uma escória
Que ensangüentando o país
Fez atrasar nossa história?

Nada de fazer silêncio
Deletando do passado
Sombrios porões da tortura
Onde Fleury, o delegado,
Cometeu monstruosidades
Protegido pelo Estado.

Pois é injusto e incorreto
Usar da lei da anistia
Livrando torturador,
Gente assim tão doentia,
Que à sombra do Estado
Cometeu selvageria.

No Chile e no Uruguai,
E na Argentina também,
Quem torturou e matou
Ou deu sumiço em alguém
Hoje enfrenta a justiça
E sofre a pena que convém.

Em nome da democracia,
Não importando a patente,
Lá se puniu o general,
O brigadeiro e o tenente
E a nação, passada a limpo,
Segue sua vida em frente.

Porém, aqui o discurso
De muito sujeito fardado
É que o país corre risco
E corre risco o Estado
Se tanto crime cometido
Algum um dia for julgado.

E todo dia uma voz
Escapa de algum porão,
Pressiona e bota medo
Como se nossa nação
Não resistisse à verdade
E preferisse a escuridão.

Mas até quando o país
Vai suportar a impostura
De jamais poder punir
Os agentes da tortura
Que seqüestraram e mataram
Em nome da ditadura?

Até quando nossa terra
Que se diz democracia
Continuará evitando
Que se ponha à luz do dia
Os fatos de uma história
Cheia de selvageria?

Que tudo seja contado
Sem qualquer hipocrisia
E os valentões da tortura
Enfrentando a luz do dia
Possam ser sentenciados
Sem as bênçãos da anistia.

Que a justiça seja feita
E a grandeza da verdade
Toque o coração da história
Transformando a realidade
Não permitindo entre nós
Torturador na impunidade.

E que todo arquivo oculto
Seja ao povo revelado
Pra que todo documento
Hoje em posse do Estado
Em público possa ser lido
E jamais ignorado.

Silvio Prado
Diretor Estadual da Apeoesp
venceremos.2@hotmail.com

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